segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Autópsia...

O cheiro era doce. Estava fria. Carne doce e fria. Ainda macia. Ajeitou os cabelos pretos desgrenhados espalhados com um manto sobre a mesa de metal. Parecia uma espera eterna. Tinha grandes buracos por todo corpo. Os fluídos corporais tinham parado de transbordar.
Ao longe, soavam os ecos distantes dos passos de alguém de todo indiferente.
Os olhos vidrados e vítreos encaravam o teto branco e a luz bruxulenta. Colocou o dedo na primeira ferida. Larga, profunda.. visseral.. permitia identificar a arma cortante manipulada por uma mão pesada de homem bruto que machuca. Certamente foi a primeira. As coisas primeiras.. para o bem e para mal.. são sempre deveras impactantes. Por ali perdera-se sangue, esperanças e vivências. Ainda jorravam quando as demais feridas foram abertas. Fato.
Eram mais sete. Iam do ombro esquerdo à virilha direita. não havendo um padrão além da fatalidade. O último e menor fora justamente o que causara o óbito. Quase um tiro de misericórdia. Um pequenino orificio que ainda tinha as bordas queimadas do calor do metal que por ali passara. Um disparo seco e direto que ela poderia dizer não ter visto de onde veio, nem como veio. Um estalido e está lá mais um corpo estendido no chão.
Uma busca rápida conduziu à bala ainda ali alojada. Não podia ser retirada, parecia encrustada em um osso. Parecia que mesmo morta ela não abdicava da representante máxima de uma sensação. Ela como as outras mulheres era pródiga em se agarrar à vertigem da queda.. dava ares de vôo.. negava o enjôo.. e quando um corpo esquartejava-se contra o solo, um suspiro e não um grito lhe fazia trilha sonora.
Deixou ali a bala.. as feridas ainda abertas que acompanham toda uma vida.. os olhos fixos e os cabelos desgrenhados.. fez as últimas anotações no formulário ciente de que palavras e cicatrizes nunca são de todo sinceras...

8 comentários:

renata carneiro disse...

há mais nas palavras do que cabe no pensamento. a veracidade delas nunca é precisa e nelas, cabem quantas interpretações forem possíveis...

beijos!

Lilianne Mirian' disse...

- Quão Intenso Você Foi'


Beiijo

Érica disse...

Sinto pontadas de decepção, ou dor no peito? Realmente, palavras nunca são de umtodo sinceras, são apenas o que achamos que elas precisam ser.
Outro texto massa que eu deparo por aqui.

beijos

Luna disse...

um tiro de mágoa.

Avid disse...

Ces't la vie. Nua e crua. Vivida.
Bjs meus

Anônimo disse...

que morte linda!...juro!

Morrer nao doi!

. fina flor . disse...

ai, que triste =(

beijos, querido

MM.

>>> desisti de desistir, ia fechar o fina flor, mas desisti, rs*...

lídia martins disse...

O bom de toda fatalidade, é o renascimento que toda morte pressagia.


Um beijo!
Lindo blog