segunda-feira, 25 de julho de 2022

A musa e o fauno




- Fiz uma longa viagem - disse o fauno pondo-se de joelhos diante dela.
- Fico feliz que tenha chegado bem - ela sorriu e até o sol foi ofuscado.
- Eu viajaria pelo infinito por toda a eternidade para ter um vislumbre dessa luz toda.
- Minha luz reflete nas suas palavras, meu poeta.
- Não reflete, ela entranha, é absorvida, me aquece. Colo minha vontade nesse momento de chegada na tua carne sagrada. Sinto esse arrepio de alegria. Sinto o seu perfume que mais perfeito nem mesmo eu imaginaria.
- O perfume do meu mel esperava pelo seu escarcéu.
- Pois molhe minha garganta. Minha sede é tanta. Meu peito está que quase arrebenta diante de tanta maravilha que minha musa ostenta.
- Então rebente para o meu seio...
- Assim começo meu passeio. Não foi só por isso que vim. Temos esse laço eterno a unir meu verso ao teu jardim - eles colados, abraçados começaram a subir a escadaria por um mundo onde os sentidos pouco importavam. Importava apenas o quanto estavam juntos para nunca mais estarem separados.
- Preparei uma comida para ti.
- Mas sou eu que te devo oferenda.
- Então aprenda. Fique forte. Quero sentar no seu norte, gritar o teu nome, sentir no nexo a tua fome.
A comida sumiu em um instante. Restava agora apenas os amantes,
Ele jogou-a no ar. Ela flutuou como se tudo não passasse de um desdobramento de si. Ele lambeu o salgado e o doce dela ali. Arranhou-a e envolveu com seus pelos e apelos. Cavalgou-a, fez dela sereia, mantícora, sucubus, cadela, anja, rainha e parceira. Era a primeira. Era a única. Era eterna. O mundo lá fora que era a caverna. Aquela caserna era o princípio e a apoteose de tudo.
- Cansado meu fauno?
- Admirado. Obliterado por tanta magnificência. Mas não quero clemência. Nem água. Quero todo o rio. Todo o mar.
- É teu. Venha se afogar. És meu.
- Sempre fui, sou, sempre serei, esse é o verdadeiro sempre.
- Pois esse grosso argumento não me sai do pensamento.
- Ele deseja te ocupar os lábios. Os risonhos, os molhados, os que aconchegam e regam enquanto se entregam. Mas chamam enquanto derramam esse mar quente de lava. Tão leve, tão brasa. Ganhamos asas, acendemos, ascendemos, assim queremos, assim mesmo, sem remendo, conjugado, ritmado, o deslizar perfumado cada vez mais e mais e mais sem cais, sem porto, sem nada posto, só mar, oceano, profundeza que cabe nas garras, na unha arranhando pelas marcas que já deixara, a loucura mais franca, as mãos pesadas na anca que governam cada enfiada. A cabeça da rola melada e larga se fazendo sentir ao longo de cada centímetro da enfiada, as presas que quase rasgavam a garganta, gemendo a perfeição que não cabe em palavras.
- Ah meu poeta, meu fauno.
- Deita comigo. Voltei ao umbigo. Ao âmago de tudo. Te amo, minha musa. Amo. É tudo.
- Pois acorda, meu fauno. O mundo girou.
- Onde estou?
- Na floresta.
- Nada resta?
- Resta.
- Onde estás?
- Em tudo.
E assim o fauno mudo, chorou de joelho entre as árvores, enquanto chegavam seus pares e ele sabia, que nada mais bastaria. Esta salvo e, por isso mesmo, condenado.