sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Discurso do mal

Havia um monge sentado em uma pedra... bem, ele não era verdadeiramente um monge... talvez seja melhor dizer que havia um mago sentado em uma pedra. Posso resumir dizendo que havia um homem sentado em uma pedra, mas também poderia dizer que estava a mosca em seu lugar e veio a aranha lhe fazer mal, de modo que ficarei com estava um mestre sentado em uma cadeira, que poderia ser uma pedra, mas é mais confortável.
Pois esse mestre tinha um mal, irremediável mal. Mas seria mesmo? Há quem diga que para todo problema há uma solução.. ou não é um problema. Mas este é um mal, não um problema. Outros dizem que Deus dá o frio conforme o cobertor, mas esse mestre não acha que Deus se ocupe de cobertores e deixe isso por conta das mestras e dos mestres mesmo. Embora o mestre tenha certeza que Deus entende de mal e de oscilações climáticas, entende que Deus não se ocupe de ninguém tão ocupado que está em ser tudo. Sendo assim, havia um mestre em uma cadeira com seu mal.
Não era certamente o pior dos males. Por alguns ângulos, havia até mesmo beleza nele. Aquela colorida pelo sangue dos mártires e dos honrados. Tipo um glamour. Mas isso só na luz certa, fora isso, era apenas um fardo difícil de carregar.
O mestre ainda se admirava com o voo das borboletas, com o canto dos pássaros, com o colorido da natureza, mas não conseguia deixar de ver seu mal tocar tudo isso. Com maestria, principalmente entre os pares, fazia-se ímpar em carregá-lo. É verdade que a maioria dos navegantes boiava em seus próprios males. Alguns deles, inclusive, prendiam-se a eles, mesmo que isso significasse naufragar. Outros, bêbados das belezas, achavam-no a melhor das coisas, inclusive ocupando-se de comparações adjetivadas dos males próprios e alheios. Alguns até com eloquência e ritmo.
No fim, era apenas um mestre sentado em uma cadeira com seu mal irremediável. Um monge sentado em uma pedra. Uma mosca em seu lugar. O que não tem remédio, remediado está, se lembrou o mestre que pensou ser um mago mesmo sendo um monge. Mas o mal não era uma doença. Se existem doenças sem cura ou sem mitigadores de dores, não é uma prática discursiva que de conta dos males. O mal é um saber.