quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Cassandra ou um cigarro



(Ela deliciava-se ouvindo The Doors. Ouvir Jim Morrison sempre lhe excitava os sentidos.) - Come on... come on.. come on, touch me baby.. can´t you see that i´m not afraid?.. What was that promess that you made.. (Soltou os cabelos desejosa de libertar-se dos arredores sufocantes.
Chamava-se Cassandra. E ali onde se refugiava, Cassandra era uma rainha. Fora dali era apenas Cassandra. Tinha um emprego mundano. Colegas apagados. Atribuições burocráticas. Espectativas insossas. Devaneios vãos.
Eu disse fútil? Perdo-me, quis dizer Cassandra, a grandiosa.. nã... não.. sinto muito.. eu.. euu.. a.. aahh...)

- Porco maldito e pretencioso. Deixe-me apenas prender o cabelo e abaixar esse barulho infernal. Maldito lugar quente. "Cassandra, a fútil".. ora vá pro inferno seu autorzinho de merda. E você aí, a concordar com isso, não é? Não pense que me engana.. sei como gente como você funciona.. fica daí do seu mundinho, concordando com o que é dado e simplificando toda a minha profundidade. Tudo bem, eu me chamo Cassandra.. mas já fui a preferida de Apolo.. a primeira entre suas sacerdotisas.. a maior profetisa.. filha de Príamo.. e veja só onde fui parar.. num bloguezinho de segunda categoria.. ao som de rock dos anos 70.. por favor.. à mercê de um pretenso fanfarrão de adjetivos. Eu era cantada pelos aedos.. depois pelos bardos.. e agora tenho de deixar a Terra das Quimeras para habitar esse conjunto de pouca significância. Esnobe eu? Por favor.. eu sou divina, ser ínfimo. Deveria ser eu a ler você fazendo tolices insignificantes no entremear de seus posicionamentos levianos. Hunf.. ao menos aqui posso fumar um cigarro.. ainda que tenha de tirar essa estupidez de filtro.. filtro.. filtram tudo e apreendem nada. Hunf.

- People are strange.. when you're a stranger, faces look ugly when you're alone.. women seem wicked, when you're unwanted, streets are uneven, when you're down.. When you're strange, faces come out of the rain.. when you're strange, no one remembers your name..

Eu já tive outros nomes. Assumi muitas roupagens. A gente tem de se virar pra sobreviver.. pelo menos sei que nunca vou morrer de câncer de pulmão. Um dia só não vão mais lembrar de mim.. niinguém vai mais me acionar e PUFT.. Cassandra, "a fútil", já não existe mais. Será bom poder ir perambular por outras cercanias.. claro que vou sentir saudades daqui. Não de vocês. Nem do dono de todo esse sangue malditamente gosmento e real. Vou sentir mais falta desse cigarro, posso te garantir. Desse prazer.. tão fulgaz, que é perfeito. É a ardência inigualável de matar algumas células. Elas explodem de prazer. Azar das que vão, sorte das que ficam. Nada como o prazer de capturar os desígnios da própria mortalidade.. isso é válido mesmo pra mim, com minha mortalidade muito mais complicada que a sua. Ahhhh, inferno... inferno.. inferno! Bom.. acho que está tudo resolvido por aqui e posso ir. Você também já devia ter voltado pra sua vidinha fútil... isso mesmo.. FÚTIL!!! F.. Ú.. T.. I.. L!!! Ei.. o que diabos.. larga isso.. nã.. e.. eu não quis dizer aquilo.. voc.. c.. a.. aahh... ...

...

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Perspectivas



Murcham as flores Desbotam as aquarelas Apagam-se as fotografias Continuam a haver dores Algumas sequelas Inconstantes frentes frias Sempre mais do mesmo Não era isso que você queria ouvir Mas no porvir Só pode vir A cada quero ir A louca conjunção Da sua condição Onde o caos te pega pela mão E a ordem sopra movimentos Temos de ir saboreando o vento O fazer no reinvento Curtindo a paisagem Trabalhando na vertigem da viagem Pois chegar é bobagem Teleologia antiquada dos antigos Perdidos no próprio umbigo Mas tenho cá comigo Que o único abrigo é o mundo A única possibilidade é a vida Posso ser raso, largo, profundo Pode ser preta e branca ou colorida Devaneios de um mero vagabundo
Mas no fundo
Fecundo Curtir ainda é minha saída preferida...

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Sobre ser pai 5

Domingo chegamos de viagem. Já era noite, Ana não dormiu no voo e estava bem cansada. Mas eis que chegando em casa, ela reconheceu o lar. Foi aos brinquedos da sala e esparramou todos, pegando um por um. Depois foram os livros. Pegava, trazia até mim e pedia que eu mostrasse.
- Esse! - Ela gritava com entusiasmo.
Depois foi a vez de tudo que estava no quarto.
Eu adoro viajar, mas assim como minha filha, adoro voltar pra casa...

Há alguns anos eu já não tinha entusiasmo pelo mar. Praia pra mim era cerveja, sombra, petiscos e um livro (ou trance... rs). Esse ano eu entrei no mar praticamente todo dia. Algumas vezes, cinco vezes no mesmo dia. Sentei na beirinha. Medi o ritmo das ondas com os passos da Ana. Tomei onda na cara pra ela passar por cima. Pedi desculpas a Iemanjá para apresentar minha criança.

Já são 1 ano e 8 meses de encantamento, 1 ano de parceria entre nós dois desde o fim da licença da Dé. Em fevereiro, ela começa na creche e eu tenho que terminar minha tese, mas o maior projeto da minha vida segue a pleno vapor...

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Depois do fim



Quinze horas atrás ela era minha
Na verdade nada nunca foi meu 
Ela era tudo que eu tinha
Era
Ela
Eu
Tolo de achar que tal escarcéu 
Tolo de achar que um céu é teu
Inferno
Ao menos há calor
Mas pode ser gélido
Depende do seu pavor
Mesmo se nada é eterno
Nem ser lido
O corpo despido
Coisas do vivido
Entre tanto que podia ter sido
Foi o que houve
E se não há
Tanto por cá
Pois nada nunca, quiçá
Quem são
A espiar pelo vão
Os sãos
Ouçam ou são
Delírios
Nesse mar de lírios
Pra cada martírio
Um mar te rio
Dez fez
E desfez
Com brilho dessa tês
Essa ultima vez
A tal desilusão...