Desde terça feira da semana passada até ontem, eu andei deveras atribulado. Além da correria costumeira, estava acontecendo por cá, no Planalto Central, o 40o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e cabe uma explicação de meu envolvimento com o dito...
Minha mãe, Dona Maria do Rosário Caetano, é uma apaixonada e fanática pelo festival. Há uma matéria inclusive chamando-a de "Senhora Festival", para terem uma idéia da adoração dela pelo dito. Pois além de coordenar os debates dos filmes da mostra principal (o que implica em ver todos os 6 longas e os 12 curtas), ser jurada da mostra de filmes de Brasília, lançar livros, escrever matérias pros jornais (minha mãe é jornalista, especializada em cinema latino-americano..), ela aproveita para ver os filhos (eu e meu irmão..). É claro que ficamos correndo atrás dela, tentando vê-la nos interstícios da correria.
De qualquer forma, isso foi apenas para chegar ao ponto de que, o que minha mãe realmente faz questão, é que vejamos o festival.. Assim sendo, vi todos os filmes.. religiosamente. O Festival daqui é bastante renomado Brasil afora na área cinematográfica.. notório pela dimensão crítica, pela platéia politizada e participativa, pelos debates, pelos filmes inéditos, entre outras coisas. Esse já é o 14o festival que acompanho.. da minha mãe deve ser o 30o, no mínimo.. risos
Enfim, resolvi fazer uma pequena e modesta análise do festival, principalmente depois do resultado decepcionante da premiação ontem.
Vamos lá então... irei primeiro tecer considerações sobre os filmes e depois sobre a premiação...
Na terça passada, o festival foi aberto com dois filmes (que não concorrem).. um curta e um longa, ambos recuperados pela tecnologia.. "Brinquedo Popular do Nordeste" de Pedro Jorge de Castro e "Proezas de Satanásna Vila do Leva e Trás" de Paulo Gil Soares. O primeiro era um documentário curto sobre o artesanato nordestino.. bem legal.. o segundo, um filme analisando a invasão do "capetalismo" numa pequena vila brasileira. Essa foi a definição de um dos atores do filme, que é de 67, salvo engano. A história é cheia de simbolismo.. após encontrar um poço de petróleo, envoltos em professias oníricas, os cidadãos principais.. (um cego, um aleijado e um anão) são envolvidos pelo profano avanço da força do mal (diabo / capitalismo).. o filme vai ficando muito empolgado com essa idéia.. um tanto tresloucado pro meu gosto.. mas certamente interessante..
Na quarta, dia 21/11, no célebre Cine Brasília, foi a vez da mostra competitiva. O curta "Um ridículo em Amsterdã" de Diego Gozze, era uma narrativa baseada em fatos realmente acontecidos com o protagonista. Ele ganhou uma passagem de avião para Amsterdã em uma festa numa empresa de viagem onde trabalhava por estar usando a roupa mais ridícula (era uma festa do ridículo..). Em cima disso, o diretor explora o desconforto do papel que cabe ao protagonista nessa história e sua apropriação "involuntária" pelo discurso que o quer expor... eu gostei, como disse pro Thiago meu amigo, por não ter gostado.. pois não era um filme para se gostar, mas um filme para incomodar..
O segundo curta da noite, "Espalhadas pelo ar" de Vera Egito, certamente foi o mais sensível e delicado do festival. A história falava de uma mulher, um tanto esquecida dos sabores da vida, que ao deparar-se com um grupo de meninas de seu prédio, que fumavam cigarro no fim da escadaria do prédio, sem as roupas (pra não ficar o cheiro). Desse contato nasce um diálogo que fará ela aperceber-se de seus anseios, de seus sonhos... um filme para se gostar e dar um gosto (nicotinado) de liberdade..
O longa metragem, "Amigos de risco", do pernambucano Daniel Bandeira, era não só o filme de estréia do festival, como do diretor. Um filme de baixíssimo custo, compensou isso com um roteiro intenso e muita garra. Ele conta a história de dois amigos no Recife, que deparam-se com o surgimento de Joca, um amigo problema que sumira pro Rio de Janeiro fugido dos problemas.. voltou tão subitamente quanto partira, quase como uma luz no fim do tunel da boemia para resgatar os dois companheiros do tédio do labor e do cotidiano.. arrasta-os em plena 4a feira pruma noitada, regada a cerveja, petiscos e muito mais.. essa amizade saudosa vai se revelando povoada por tensões e riscos. Joca escondia muitos segredos e aquela amizade já não era a mesma.. eles não eram os mesmos.. ao contrário de Joca, os dois não fugiram, mas pagaram o preço de seus erros.. um endividara-se com um agiota e perdera tudo, o outro acabara de ser largado pela esposa. O problema é que no justo momento de conflito, em que a poeira assoma sobre o tapete, há uma reviravolta.. Joca passa mal após cheirar pó com um puta no quarto.. daí em diante.. ininterruptos problemas.. sem carro, sem comunicação, com o transporte público de greve, sozinhos na madrugada, eles passam a arrastar o corpo inerte de Joca na tentativa de levá-lo a um hospital.. e se deparam com todo o tipo de problemas.. polícia, trombadinhas, falhas de comunicação, a greve dos ônibus, o peso do corpo.. como eu disse antes.. quase "Um morto muito louco" em Recife.. risos.. um filme interessante, com uma história pra contar.. nada sensacional, mas com algo a dizer sobre amizade...
Na quinta feira foi a vez do curta "Café com Leite" de Daniel Ribeiro.. um filme politicamente correto, sobre um casal gay que tem de lidar com o irmão de um deles, criança ainda, após a morte dos pais. Fora isso, não é nada de mais...
O segundo curta, "Décimo Segundo" de Leonardo Lacca, foi o primeiro filme vaiado do festival. O filme trás sua força do silêncio.. um silêncio ensurdecedor.. incomodou a todos, logo foi vaiado.. muitas vezes as pessoas não sabem o valor de um incômodo.. é mais cômodo ser confortável.. O filme narra o encontro entre um casal no apartamento dela. Há um abismo onde antes já houve uma ponte e cada ínfimo detalhe é explorado para escancarar a ausência do que já houve e a inabilidade dos dois em lidar com isso...
O longa foi "Meu Mundo em Perigo" de José Eduardo Belmonte, diretor insurgente e afamado desde "A Concepção".. o filme foi muito bem recebido, mas confesso que não me envolveu. Enxerguei vários dos méritos, mas ainda assim, não me identifiquei e comprei os personagens.. a história é sobre um homem que vê seu mundo ruir com a perda do filho para a ex-mulher, supostamente (segundo ele) louca. No entanto, é ele quem alija-se da sanidade nesse processo, que culmina com o atropelamento de um velho bêbado na noite da perda. Daí ele acaba por refugiar-se num hotel, à cata de uma garota falsamente muda. O mundo de ambos dialoga e ele tem uma impressão de entendimento nesse encontro.. ainda assim, o mundo lá fora seguia e viria cobrar seu preço. Interessante, mas não envolvente...
A sexta começou com o curta "O Presidente dos Estado Unidos" de Camilo Cavalcante. Um filme falsamente bem-humorado, sobre as psicoses esquizofrênicas de um homem que perde-se na mesma loucura de George W. Bush. A loucura cobra o preço do sangue da inocente esposa...
O segundo curta foi "Uma" de Nara Riella.. a Nara é amiga da Dé e formada em cinema aqui na UnB. Fala sobre o surtar de uma mulher ante o peso de sua vida insípida. Ela reverte as lágrimas, mas não converteu meu gosto... tinha algo a dizer, mas não o disse como poderia...
O longa foi "Cleópatra" de Júlio Bressane. O filme contou com elenco global (Alessandra Negrini, Miguel Falabella, Bruno Garcia...) e era esperado com muita espectativa. Bressane é notório por seus filmes "rebuscados" e iniciou a apresentção pedindo paciência com o filme. Logo vi que coisa boa não viria... para mim foi o PIOR filme do festival, anos luz à frente do segundo pior. Ele propôs construir uma visão lírica em língua portuguesa da vida da afamada rainha do Egito. Mesmo contando com ampla pesquisa e bons recursos, o filme perdeu-se no ego do diretor que acredita ser dever da platéia ter a "grandeza" de entender seu discurso empavoado. O filme foi vaiado intensamente após perder-se num delírio estético.. nem dá a ler sua personagem, nem captura os espectadores em sua trama. O saldo de Cleópatra é muita verborragia, muita técnica, muito ego e pouco público (só não digo nenhum público, porque tem umas vedetes que crêem haver ali poesia.. mas enfim, tem gosto pra tudo..).
O sábado começou com "A Enciclopédia do Inusitado e do Irracional" de Cibelle Amaral, um curta bem humorado em preto-e-branco sobre o monstro que existe em todos nós e como ele pode acabar conosco. Conta a história de um faxineiro que é demitido da biblioteca onde sempre trabalhou e tenta se vingar da responsável virando um monstro rato bem de araque.. risos. Engraçado..
O curta seguinte foi "Trópico das Cabras" de Fernando Coimbra, com excelentes imagens, fotografia e uma história que narra um casal em busca de se encontrar. Vêem a solução numa viagem pelas estradas do Brasil. Enquanto se buscam, ele assiste à volúpia dela com alheios. Ao fim, os caminhos seguem para os mesmos descaminhos, sem que pouco fique, assim como pouco muda.
O longa metragem, "Falsa Loura" de Carlos Reichenbach, conta a história de uma operária que acaba aliciada para ser "acompanhante", vítima de sua beleza e seus ímpetos. Fui surpreendido por esperar o pior, depois de ter visto "Garotas do ABC", do mesmo diretor e com temática contígua. Esse foi bem melhor.. o que não significa bom necessariamente.. risos. Ainda assim, tem momentos muito engraçados.
No domingo, o festival foi agraciado com "Tarabatara" de Julia Zakia.. um documentário sobre ciganos. O filme menos interessante do festival ao meu ver...
O curta seguinte foi "Eu Sou Assim - Wilson Batista" de Luiz Guimarães de Castro, um excelente documentário sobre a vida desse genial sambista. Irreverente e bem construído, ele passeia pela vida do personagem com musicalidade e cadência.
A seguir, o longa "Chega de Saudade" de Laís Bodanzky, mesma diretora do genial "Bicho de 7 Cabeças", para mim o MELHOR filme do festival. Ele gira em torno de um baile, desses pra 3a idade.. no melhor estilo "Short Cuts".. sem protagonista.. apenas uma pluralidade de histórias enlaçadas num mesmo balaio.. todas com seus pequenos conflitos, querelas íntimas e extremamente pessoais.. tão pessoais que nos envolvem, nos perpassam, nos prendem.. ao contrário de certos filmes "artísticos" e "vanguardistas" sabe...
Enfim, na segunda feira foi a vez de "Busólogos" de Cristina Muller, um excelente documentário sobre um grupo de vidrados em.. ônibus. Como eu já disse aqui... tem gosto pra tudo.
O segundo curta "Eu personagem" de Zepedro Gollo foi algo experimentalista sobre uma lombra de drogas nas viagens de consciência do personagem / autor que conta e viaja pela história. Parece melhor do que é.. risos
O longa metragem foi "Anabazys" de Paloma Rocha e Joel Pizzini, um documentário sobre Glauber Rocha e a construção de "A Idade da Terra" seu último filme. Através da análise do processo criativo e da construção da obra, o filme expõe a instigante figura do pai do cinema novo. Gláuber é recuperado em seu pioneirismo, (Ele sim) em seu vanguardismo e sua genialidade.
Ontem, terça feira, o festival teve seu encerramento. Foi exibido o longa "Dezesperato" de Sérgio Bernardes, também um filme recuperado e que não concorria.
A premiação culminou com a consagração de Cleópatra como grande vencedor do prêmio de Melhor Filme do júri.. restando a Laís e seu filme, os de melhor direção e prêmio do público. Eu sei que a vida não é justa e naõ seria um juri de festival que romperia com isso, mas infelizmente me parece que falta sensibilidade aos julgadores de perceber a necessidade do diálogo entre um obra e seus consumidores / produtores. Bressane e seu filme foram incapazes de se fazer palatáveis, sequer tinha um salzinho básico... nada precisa ser incompreensível para ser inteligente. Só existe inteligência no entendimento, na compreensão. Não há "orgasmo estético" (como definido por uma atriz no debate do filme) que seja válido, se só goza o diretor.. cinema e sexo dependem da conjunção das partes.. Bressane caminha, como sua Cleopatra, para um ostracismo recluso e apoteótico despojado de alicerces.. Laís caminha para fazer as pessoas perceberem que a arte está em toda parte, que ser de vanguarda não é privar a todos da arte, mas sim explicitar a arte de cada um, de cada pormenor, de cada momento singular e pequeno..
Assim sendo, à despeito dos prêmios, sabemos quem venceu...
É isso.. putz, ficou grande.. se você chegou aqui.. obrigado pela paciência e até o próximo festival...
11 comentários:
Pois sinta-se feliz por tua mãe ser assim tão "senhora do festival". Não acho que tenha sido grande sacerifício ver filmes... eu, particularmente, adoro!
Qnto às injustiças... não dá nem pra fazer muitas análises. Todos os festivais cometem uma injustiça grave, pelo menos.
;)
Bom final de semana.
mas que grande festival :)
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(¸.*´ (¸.*` * Beijos...
carla granja
bom fim de semana
Parabéns pela crítica do Festival!
Bjos
Querido, infelizmente não estarei lá... Tenho um compromisso da qual não poderei me desfazer!
Seria uma excelente oportunidade...
Bom fim de semana.
=***
Festival de cinema!ue delicia!
(Sim, a cisao foi precisa. Gostei da sua interpretacao.)
Heheh li todo o post
Pouxa vc não gostou de café com leite? achei o melhor curta junto com espalhadas pelo ar e ''eu sou assim" [bem vc leu isso no meu blog]
mas esse festival valeu a pena demais pq agora o jorge tem rosto e simpatia ao vivo =]
ano que vem. eu juro. vou todos os dias
=]
bjo
A tua mãe é admirável, gosto de pessoas assim: vivas, participativas e energeticas.
Deu-me uma vontade enorme de ir para esse lado do mar ver o festival, juro que deu.
Nao opino porque pouco sei do assunto. Adoro cinema... mas tou tou tao longe snif snif
Mas...fica aqui o meu desejo de bom fim de semana.
Bjs meus
Que mãe ativa a sua, a minha não tem paciência para ver filmes, inacreditável!
Fiquei curiosas com alguns filmes que citou, sou viciada em filmes!!
Beijos e flores!!
POxa, fico até com vergonha de dizer que meu gosto em relação à cinema é bem pobrinho de espírito. Nunca fui ao festival, acho que porque gosto de filmes com explosão, romance...ou seja, histórias geralmente vazias e pouco profundas...
No máximo um labirinto do fauno e olhe lá (meu favorito).
Bem, para minha surpresa assisti um filme brasileiro chamado Tapete vermelho e gostei muito...será que eu ainda tenho jeito?
Bjus
deveria eu conhecer sua mãe, pois meu nome é "papa-show's" ou seja cinema teatro e concerto estou sempre lá!
boa semana
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