"O objetivo principal não é descobrir, mas refutar o que somos. (...) Não é libertar o indivíduo do Estado e de suas instituições, mas libertar-nos, nós, do Estado e do tipo de individualização que vai ligada a ele. É preciso promover novas formas de subjetividade..." Foucault
sexta-feira, 17 de dezembro de 2021
Chama
segunda-feira, 6 de setembro de 2021
Vale a pena ter um cachorro?
Eu sempre quis ter um cachorro.
A vida inteira eu quis ter um cachorro.
Talvez por influência desses filmes americanos sessão da tarde em que um garoto e seu cachorro são parceiros de aventuras. Talvez porque meus pais sempre frisaram como cachorro para eles era apenas um bicho e não iríamos ter um cachorro em um pequeno apartamento. Talvez porque eu goste de bichos de modo geral. Enfim, sempre quis.
Quando meu pai mudou de casa no final de 2006 e ficamos Débora, Guto e eu, imediatamente concordamos que iríamos ter um cachorro.
No começo de 2007, adotamos o Raul que em menos de 2 meses morreu de cinomose. Era um filhote de vira lata na zoonose. Lembro da alegria e da esperteza dele como se fosse ontem. Um mês depois, o PT me deu o Marley.
A Pepita, cachorra dos pais dele, que já tava velha, deu uma cria inesperada. Só o Marley viveu. E como viveu. 14 anos e meio. Cabia na palma da minha mão quando chegou. Não cabe no meu coração de tão grande agora.
O maior cabeça dura que esse universo conheceu. Um companheiro fosse um filhote feliz, fosse um velho rabugento. Entre cirurgias, adaptações, passeios e viagens, um pedaço de uma vida da gente que ele docilmente representava. O mundo passou, as crianças chegaram, tudo de cabeça pra baixo, mas o Marley tava sempre lá feliz com a nossa chegada. Amor num nível perfeito demais para a humanidade conseguir engendrar.
Hoje passeei com a Mel, minha outra cachorra. O primeiro sem o Marley, não teve um passo, nem um olhar que não o procurasse. É como se um pedaço de mim não estivesse mais ao meu alcance. A alegria que resta é a saudade que dói tanto. Eu tenho isso em mim com meu pai todo dia. Agora tenho comigo mesmo. Eu tive o cachorro que eu sempre quis ter e foi melhor do que eu poderia querer, porque ele foi ele sendo eu em mim, na Ana, no João, na Dé, no Guto, na Jônia, nos outros cachorros, em todo mundo que ele latiu quando entrou na minha casa. Mas agora eu não tenho mais o Marley pra me defender. Eu não tenho mais ele pra pegar no colo pra ele parar de latir, pra dizer "Marley, vai pra sua cama". Meu bebê. Meu papai. É realmente um lance muito louco. Muito.
Ou seja, vale a pena demais.
terça-feira, 31 de agosto de 2021
O corte
Tanto que dói
Corrói
Tango
Cancro
Mói
Nem mil sóis
Tiram esse escuro
Aqui jaz em um banco duro
Um poeta morto sem ilusão
Dizem que não passa do chão
Mas o cidadão
Definha de solidão
Não acha nenhuma mão
Perdeu a rima
Não goza de qualquer estima
Se jogou lá de cima
Não voou
Até se doou
Mas se estatelou como um saco de merda qualquer
Mas se quiser
Pode ser saco de cimento, de vento ou qualquer elemento que te traga algum alento
É só mais um tento
Mais um caso de ocaso
Mais um bocado desse tormento
Pra quem viveu de ser mar raso
Certo que haveria prazo
Para o traço
Parecia laço
Mas foi erro crasso
O passo
E ali sem abraço
Morreu de inanição
sexta-feira, 16 de julho de 2021
Festim para o finado fauno 6
Não sumo
Tô sempre caçando seu rumo
Seu sumo
Sua seiva
Sua selva
Na relva
CavalgadaConjugada
Afinal não há nada
Mais grudado que nós dois
Pois somos o antes, o agora e o depois
Poetizando a jornada
Invadindo a madrugada
Com almas entremeadas
Maravilha que sois
Capaz que eu sempre voe
Nesse eterno te buscar
Até que consiga rasgar
Penetrar
Provocar
Seu moço a morder o seu pescoço
E me instalar
Devasso
No âmago do teu querer
sábado, 10 de julho de 2021
Festim para o finado Fauno 5
Dobrei o tempo e o espaço
Para trazer meu traço
Ao teu regaço
Regar-te num amasso
Nem tudo posso
Mas tudo faço
Um laço
Na mão direita
Estranhas
Mas aceitas
Minha barba arranha
Enquanto se ajeita
Assanha
Te deleitas
Capaz que derreta
Quando prendo a esquerda
Sem nenhuma perda
De um instante sequer
Pois sua maravilhosidade requer
Que verta
Poesia de mulher
Quanto mais vier
Melhor
Corpo preso
Alma solta
Vem o peso
Voltas todas
A pele arrepia
Os olhos fecham
O universo invade
No meu verso arde
Se esfrega
Suplica mais
Mordo ainda
Cobrindo tudo de cima
Com a rima
Fazendo o embalo
O mergulhar até as profundezas mais abissais desse teu mar
Num único fôlego de mergulhador fascinado pelo infinito
Fito
Preso
Amarrado
Pelo seu íntimo enlaçado
Rebolo
No teu colo
Atados
Remo um gemido descontrolado
Faminto como o monstro do mito encantado
Devoro
O umbigo
O ventre
Os seios
O pescoço
Devoto
Me detenho
Seu moço
Movo
Colo
Assolo
Quase um tolo
Ante a deusa do gozo
A bruxa
No voo
Me puxa
Me usa
Minha
Desalinha
Me entranha na vagina
És minha sina
Assinas
Fascinas
Desatina
Cada milímetro ofegante da explosão que encaminha
Minha
Sua
Soua
Ressoa
Entoa
Então
Se apertam as mãos
De tremer os chão
O melaço no vão
Quentes
Rentes
Inconsequentes
A gente
Que não é desse mundo não...
quarta-feira, 7 de julho de 2021
Festim para o finado Fauno 4
Basta uma nota
Um som
Seu tom
No meu J
Juntos
São tantos assuntos
Só nossos
Nós
Atados
Na cama
Na trama
Na sanha
Façanha
Seria ficar parado
Que poesia quer tudo colado
Corpo
Pele
Peito
Alma
Até os traumas
Me salvas
Tão fada
Tão safada
Tão assenhorada
Na minha jornada
Como quem trança as coxas na cintura do parceiro excitado
Arranhado o pescoço para provocá-lo
Morde o lábio grosso sambando no falo
Mistura dor e fervor
Pois esse é da vida o andor
E sois atrevida
Sois colorida
Entre tantas feridas
Tem as asas
As brasas
As ondas profundas que não cabem nas casas rasas
E que me banham
Me afogam
Me devoram
De explodir nos teus lábios
segunda-feira, 5 de julho de 2021
Festim para o finado Fauno 3
Escapa sempre pro seu regaço
Como se fosse minha boca
Provando cada pedaço
Em uma troca louca
Que começo boca com boca
Parte com parte
A boca no pescoço é minha arte
Sorver os seios até que o peito infarte
De tão disparado
Sigo descendo colado
Te marcando da fome do meu faro
Até o umbigo
Que tenho comigo
É o centro de tudo
De onde sigo mudo
Para os teus perigos
Ricos
Molhada
Melada
Perfumada
Sagrada
A carne macia que se abre para a língua a cada passada
Parando entre lábios
Pelo grelo em mil rodopiadas
Ante as coxas escancaradas
Arranhadas
De mim marcadas
Roxas de tão mordiscadas
As mãos apertando a bunda
Que Volteia querendo mais
Enquanto a língua passeia sem paz
Tu te esfregas profunda para sentir minha cara na carne
Minha volúpia te faz
Refaz
Recita seu tesão na ponta da língua ainda mais
Teu cais
Meu mar
Enquanto teu gozo me traz
Banhado na barba
Em nova carga
Que invade e não tarda
Por mais que arda
Penetro
Certo
Te aperto
Com o peso do eterno
Firme e forte
De começo lento
Pois tento
Sentir cada detalhe
Te esculpindo com a mão os entalhes
Te batendo na bunda de bruxa minha safada
Que me puxa e se entrega possuída
Gemendo do alforje
Me toma Jorge
Meu fauno
sábado, 3 de julho de 2021
Festim para o finado Fauno 2
Entre sonhos e a realidade, a verdade, as verdades, sem vaidade, é essa necessidade que componho dessa tua reciprocidade, dessa sua poesia que me invade, me arranha, me ganha, com sua graça tamanha, com esse encaixe, para além dos campos e cidades, dos normais e sua normalidade, tem o mundo e tem nós dois, na nossa trova, degustando cada prova, provando cada mel que escorre, tomando logo um porre, bebendo a vida no bico, se lambuzando depois, por esse sol que sois, tal qual lua reflito, teu eu tão bonito, infinito, puro agito no meu peito, no meu colo, no meu falo, nunca calo, te fumo, és meu rumo, te como com as ideias, puxo o cabelo com conversas, te penetro com as rimas, a gente dança com vontade, não cansas, o dançar avança, pulula, trança as coxas na cintura, há quem jura, que por mais lonjura, estamos grudados, daí que te mordo o queixo, te conecto o eixo e me deixo, suspirando no teu eu mergulhado... eternos...
sexta-feira, 2 de julho de 2021
Festim para o finado Fauno
Sendo o seu umbigo o centro do universo
O rio do meu verso só faz correr pro seu mar
Nesse transversar já assim ao acordar
Vai a boca buscar passear na possibilidade de te mapear
Contorno firme como o da mão a apertar
Como a volúpia que arrepia ao se entranhar
Daí aperto a tela com o cuidado de quem toca o grelo, pois ao fazê-lo, é como tê-lo, entre os dedos
Me deleito
Me entrego
Desassossego até o próprio desassossego e faço, refaço, trespasso
Esse nosso laço
No teu regaço
Mergulhado
Até o talo da alma
Como se fosse o falo
Melado na tua calma
De me dominar por inteiro
De grudar meu terreiro
De percorrer com os lábios
De esquecermos de ser sábios
Nesse sábado
Colados e fadados a explodir a própria realidade na terra encantada de nós dois...
Onde todo depois já é certeza alada
Daí saltam as palavras
Rebolativas e safadas
Prontas pra serem emissárias das semânticas sangradas e sagradas de nós dois...
terça-feira, 1 de junho de 2021
Carta para Hélio Lopes
Oi pai, como você vai? Desde que você se foi, tanto segue o que dói, quanto se agrava o que já não dava. Tanta batalha por aqui ainda se trava, o fascismo descarado da gente brava, desfizeram tanto daquilo pelo que você lutava. E ainda tem a pandemia. Estamos chegando a 500 mil mortos, pai. Tio Ari se foi. Tá aí né, no amor e na memória. Tanta gente. Nossa sociedade derrapa. Nunca avança, a voracidade egoísta e cruel da elite não cansa, o povo balança e nem tem mais carnaval. E a dor da gente não sai no jornal. O Brasil segue esse imenso canavial, ceifando os boias-frias, queimando a monocultura que já serve pra matar a natureza que havia. Enfim, tá tudo um caos. Nosso país desigual não disfarça mais a própria sede de sangue. Nada de novo, mas com requintes de crueldade, sabe...
Ana e João vão bem. Hoje é aniversário do Gustavo. Seus netos são incríveis, aquelas potencialidades que só na vida cabe. As crianças existem para que os adultos possam lembrar como era sonhar. Por conta da pandemia, sigo nessa rotina de 24 horas por dia todo dia com as crianças. Confesso que cansa. Alfabetizar uma criança é tarefa árdua. Ainda mais com trabalho, cuidando de casa. Fazendo muita vídeo aula, tentando não fazer ecos para as frustrações que gritam. Dé sobrecarregada com a condição de médica nesse armagedom.
Mas eu tô começando o trabalho aqui na antiga escola classe da 107. Todo mundo da família tá se amarrando. Me passando muita memória e muita história. Tô começando lá mais algumas micro revoluções. Tem sido difícil esse êxodo desde a militarização, esse desterro, essa errância. Levo em mim essa crise que se perturba ainda mais de perceber que a tempestade não assenta, não há perspectiva de olhar. Seguimos sentindo, saudosos de dançar.
Saudades do seu abraço, pai. Saudade de ser filho e achar que tudo vai ficar tranquilo porque seu pai tá ali pra te salvar.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2021
O verdadeiro encontro entre Saturno e Júpiter
- Aí está você.
- Sempre estive aqui, nesse mesmo caminho que só pode ser o meu.
- Caminho que tomou de mim. Como tomei de seu avô.
- Nada disso. Eu rompi a sua lógica. Eu sou o novo. A liberdade. Você era estagnado. Não sabia como lidar com o mundo que tinha diante de você. Nós sempre fomos completamente diferentes.
- Se você prefere continuar pensando assim. Isso não mudou eras atrás, não mudará agora, pois tudo permanecerá do jeito que tem sido. Já dizia Gilberto Gil.
- O novo sempre vem diria Belchior.
- Sempre mais do mesmo digo eu mesmo. Bebida?
- Como aguentar isso se não?
- Fumaça? Amores? Abraços? Os refúgios seguem os mesmos oásis na vastidão do Saara. O que temes é perceber que não há paraíso a alcançar. Não há universo a salvar. Não há verso que conserte a assimetria do dilatar. Errantes a errar, como antes, até tudo esfriar.
- Você tagarela como se não pudesse contemplar tudo que fizemos. Cada pequeno grão estruturando essa magnífica sinfonia. Tanta luz. Tanto movimento. A dança. Uma obra única, apoteótica e sublime, possível com sua expulsão, seu ocaso advindo da vida carecer de dinâmicas, potências, calores e desejos.
- Como se não houvesse tudo isso no meu tempo. Aqui está você fruto de meus calores, não é mesmo?
- Você devorou meus irmãos e pretendia me devorar para manter as coisas como estavam. Você sempre pensou apenas em você mesmo.
- E você não?
- Eu libertei minhas irmãs e irmãos, salvei nossa mãe, povoei o mundo e organizei os espaços divinos. Embora seja uma conquista que precisa ser reeditada a cada dia, seguimos. Tudo isso graças a mim!
- Foi uma longa guerra a nossa. Mil anos é tempo mais que suficiente para discutir. Talvez nesse breve encontro, possamos tratar de outras coisas. Como vão suas crianças?
- Cresceram bastante. Já possuem suficiente vontade própria. Seguem seus próprios caminhos. Juno tem trabalhado muito e estou sempre a olhar por eles.
- Gostaria muito de poder estar com eles e testemunhar seu desenvolvimento. Dizem que ser avô muda tudo.
- Muda mesmo. Mas temo que você os achasse apetitosos demais...
- Isso foi uma piada? Parece que estamos progredindo.
- Quanto mais progredimos, mais nos afastamos. É o movimento com suas inexorabilildades.
- O progresso é apenas mais uma ilusão. Mais uma história bem contada a povoar de quimeras os corações dos tolos ansiosos por sentido. Melhor dançar com os astros.
- Mas a mudança é a única certeza imutável.
- As certezas são tão dignas de confiança quanto as Parcas. Elas te prometem um fio, enquanto seguram um novelo. Devo seguir. Centenas de anos se passarão até vê-lo de novo. De um forma estranha, sinto orgulho de você.
- Eu sinto apenas alegria por tê-lo superado.
- Parabéns, meu filho, parabéns. Seguimos. Eu com minha dança, você com seu caminho.
- Poderia ter sido diferente?
- Está sendo em cada pode ter sido. Não é o tempo ou o espaço, mas a forma com que é tecido.
- É muito. É mito. Minto se muto. Mato morto. Marco muros. Murros. Mundos. Mandos e mantos não movem moinhos. Sangro. Cancro. Esquartejado por mim. Para todos.
- Eu sei. Eu sigo...