Oi pai.
Lá se vão 12 anos da última vez que abracei você no seu aniversário. Mas eu lembro muito desse dia, como a luta já tava puxada com o câncer. Mas isso também serve pra me lembrar que depois, a gente sente saudade até da luta pela importância de tudo que foi.
E hoje em dia parece que o mundo todo está ao contrário. Nesse mundo tão difícil, você seria ainda mais necessário, mas de algum jeito desse buraco a gente sai.
Minha mãe tá fazendo um livro sobre o movimento estudantil da UnB nos anos 70 e vai homenagear você nele. Envolveu mil pessoas e tá produzindo uma obra polifônica e cheia de vida. Lembrar sua luta, suas amizades e algumas imagens suas que eu não conhecia fizeram bem pra minha saudade. Sempre me aquece lembrar de você por mais que eu chore. As lágrimas expressam a profundidade da presença da ausência, mas nunca uma ausência de presença.
Ontem eu terminei de fazer as provas de um concurso para professor lá na UnB. Não era minha pretensão passar, mas sim aprender, ter a experiência para estar mais apto para a seleção da UnDF, universidade nova que o GDF tá criando a partir da FEPECS (a mesma que a Dé se formou). Fiquei chateado, porque fui muito mal na aula didática, a parte em que eu tinha menos preocupação de ir bem. Acho que por isso vou acabar eliminado. Seja como for, fui lá e aprendi.
Na eleição desse ano, Lula vai voltar, embora o golpe mais que armado, já esteja sendo dado. Os fascistas saíram totalmente do armário, pai. Pensar que eu já pensei que isso fosse coisa do passado. Pelo contrário. Eles tem sangue no olho, dinheiro e armas nas mãos e estão muito empoderados. E tem 30% das pessoas que concordam com isso e fazem disso seu modo de ser. Confesso que algo em mim só fica mais e mais decepcionado com a humanidade. Acho que você me diria que é assim mesmo. A gente luta e cuida de quem tá perto da gente. Eu penso como quando você partiu, na véspera da eleição da Dilma, a gente tava tão cheio de esperança, vendo tanto brilho nas coisas. Eles desfizeram tudo tão rápido. É assustador.
As crianças estão bem. João tá aqui brincando comigo. A fala dele tá melhor, mas o gênio e aa energia não são brinquedo não. Papai aqui que lute pra acompanhar. Ana tá lendo, andando de bicicleta. Os dois tão nadando, ela faz balé, mas João não se adaptou ao judô. Passa tão rápido. Ana já fez 7. A gente pisca e passou. Eu tô com eles todo dia, sempre cuidando. Ana sabe que teve o vovô Hélio, João não entende ainda. Ana fala que o Marley tá aí com você. Eu gosto da ideia. Que vocês moram numa estrela. Sempre que ela vê a primeira estrela no céu, ela diz que vocês estão lá. Incrível que o que parece um adulto enrolando uma criança, na verdade é uma criança ensinando um adulto a sonhar. Daí eu fico tentando lembrar momentos parecidos, essa coisa da gente ser filho e achar que o pai sabia de tudo, tinha todas as respostas. Hoje eu imagino como você tava cansado, tava correndo, mas também tava lá com a gente se encantando. Obrigado por tudo. Mesmo. Amo você mais que tudo.