- Não dá pra continuar...
- Sempre dá. Só não dá, quando se desiste.
- Pois é.. eu desisti.. desisti de continuar.. não.. não posso suportar esse sufocamento.. essa.. essa morte lenta..
- Você preferia morrer de uma vez?
- Prefiro.. tanto que estou desistindo..
- Mas.. mas e tudo.. tudo que houve até aqui? Não é posível que não hajam sucessos, cores, amores, encantos.. qualquer merda, porra.. sei lá.. que não te façam querer continuar..
- Ainda que eu pague tributos aos meus suseranos, não sou vassalo de vivências passadas.. eu sou rei de um reino de um único súdito e assino decreto de execução sumária.. o rei está morto, viva o rei.
- Mas e eu? E.. e.. os seus amigos? Seus pais.. eles.. eles nunca vão entender.. se você me mostrar uma única pessoa que concorde com isso...
- A única pessoa que precisa concordar comigo, já concorda..
- Ah é? E eu posso saber quem é?
- Eu mesmo.
- Você fala como se fosse algum maldito auto-suficiente..
- Não.. só sou madito o suficiente.. só isso. Não tenho pretensões totalizantes.. nem devaneios de repousos divinos.. eu só quero um espetacular acabamento.
- Você não pode ser tão egoísta...
- Eu te diria o mesmo, mas respeito seu egoísmo.
- Depois de.. depois de tudo.. de tudo que a gente fez.. chegar aqui, assim.. para me mostrar.. me mostrar esse sangue maquiavelicamento borrifado na nossa tela neoclássica, é.. é só crueldade.
- Pode ser cruel.. mas está longe de ser apenas isso. O fogo quando queima está apenas realizando reações químicas. Não é cruel com o carbono.. só está redimensionando-o em novas moléculas.. "nada se cria.. nada se perde.. tudo se transforma" já dizia Lavoisier.
- Algo se cria, muito se perde, quando tudo se tranforma.. já dizia eu. E eu não sou seu carbono..
- Mas guarda minhas impressões.. a sinuosidade do meu traço.. o peso da minha mão.. o sulco das minhas marcas.. e logo, as cicatrizes dolorosas do meu fogo.
- Todos os fogos, um fogo.. me avisou Cortazar..
- Avisos nunca adiantam.. só tensionam a carne à sofrer com a dor.
- Eu devia saber..
- Você sabia. Luta-se para agregar, mas só há entropia pela frente.
- Você já disse que eu era sua entropia.. mas disse como se fosse algo bom..
- Sim. E tendo bebido dela, eu agora vou me afogar num buraco-negro... sempre foi bom, até quando não era. Das nossas desgraças eu colhi o colorido que borrifei a vida.. das nossas alegrias, eu fiz alicerces para uma escada até o infinito.
- Então por quê? Por quê?.. Você é só um tolo que quer comandar até o final.
- Eu sou só um tolo.. um tolo que não aceita o final pré-escrito.. não se prende a estruturas ancestrais.
- E por que tem de ser esse o final?
- Não tem.. e é por isso... (e um leve vento bateu e ele caiu no precipício...)
11 comentários:
Sempre pensamos em desistir nas situações difíceis, ainda mais situações como esta. Mas é preciso reagir, lutar, encarar!
beeijoss!!
Texto lindo
com uma mensagem mais cativante ainda=)
Oi Jorge!
A sua entropia se organiza aos meus olhos num prazer sem mensura! Sabes falar do Profundis com leveza, na graça de uma estética deliciosa e inteligente. Um automatismo espasmódico.
Beijos, irmão querido!
Ana
Primeiro: que lindo isso de "enfeitar o ar". Quem me dera! Você me deu ...
Segundo: esse diálogo constante. esse eterno retorno, essa dor contida, esse apego ao que se foi, essa coragem de lançar-se ao vento me impressiona...muitíssimo.
Sempre bom passear por aqui, embora, as vezes, cause uma certa dor.
Um beijo,
Bel.
Há de se cuidar dessa desordem de sentires...
lindo dia,
beijos
vou para por aqui. não desejo as aritiméticas da vida. prefiro o desmedido. o não tão certo. o meu jeito. por isso não decido desistir. porque sim. essa é uma decisão que se toma. e nem sempre em bom estado. persisto nos erros. até descobrir o caminho certo.
beijos!
saudade tua!
:*
no abismo que é; pensar e sentir..
Muito forte, muito bonito.
Bom dia moço! :)
Voê é ótimo, poeta!
Melhor ainda comentar aqui ao som de Rock 'n' roll suicide!!
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