terça-feira, 1 de junho de 2021

Carta para Hélio Lopes




 Oi pai, como você vai? Desde que você se foi, tanto segue o que dói, quanto se agrava o que já não dava. Tanta batalha por aqui ainda se trava, o fascismo descarado da gente brava, desfizeram tanto daquilo pelo que você lutava. E ainda tem a pandemia. Estamos chegando a 500 mil mortos, pai. Tio Ari se foi. Tá aí né, no amor e na memória. Tanta gente. Nossa sociedade derrapa. Nunca avança, a voracidade egoísta e cruel da elite não cansa, o povo balança e nem tem mais carnaval. E a dor da gente não sai no jornal. O Brasil segue esse imenso canavial, ceifando os boias-frias, queimando a monocultura que já serve pra matar a natureza que havia. Enfim, tá tudo um caos. Nosso país desigual não disfarça mais a própria sede de sangue. Nada de novo, mas com requintes de crueldade, sabe...

Ana e João vão bem. Hoje é aniversário do Gustavo. Seus netos são incríveis, aquelas potencialidades que só na vida cabe. As crianças existem para que os adultos possam lembrar como era sonhar. Por conta da pandemia, sigo nessa rotina de 24 horas por dia todo dia com as crianças. Confesso que cansa. Alfabetizar uma criança é tarefa árdua. Ainda mais com trabalho, cuidando de casa. Fazendo muita vídeo aula, tentando não fazer ecos para as frustrações que gritam. Dé sobrecarregada com a condição de médica nesse armagedom. 

Mas eu tô começando o trabalho aqui na antiga escola classe da 107. Todo mundo da família tá se amarrando. Me passando muita memória e muita história. Tô começando lá mais algumas micro revoluções. Tem sido difícil esse êxodo desde a militarização, esse desterro, essa errância. Levo em mim essa crise que se perturba ainda mais de perceber que a tempestade não assenta, não há perspectiva de olhar. Seguimos sentindo, saudosos de dançar.

Saudades do seu abraço, pai. Saudade de ser filho e achar que tudo vai ficar tranquilo porque seu pai tá ali pra te salvar.