Ali estava Lúcia. Encolhida no canto. Coxas junto a barriga. Sem luz, estava Lúcia no escuro, encolhida por não ser a escolhida. Sentia-se uma trouxa de uma figa.. trinta e oito vezes trouxa. Sentia a extensão de cada ferida em sua carne perfeita, carne tão afeita, carne de quem se ajeita, mas serve de modelo. Mas como alguém a rejeita, ela não aceita e desmodela a própria virtude. E ainda assim não chora.. Lúcia apenas devora a angústia nas trevas. Queria cigarro, injeções, bebidas, pílulas e qualquer outro vício que passasse pela frente. Queria mil homens. Não queria nada nem ninguém.
Fazia mais de uma hora que ele saira. Ela continuava na mesma posição, prostada no chão. Fazia mais de uma hora que estava assim. Fazia mais de um mês que sabia. Fazia mais de um semestre que não ligava. Assim pensava. Fazia mais de um ano que só circulava. Fazia mais de trinta que tinha esse sonho. Costas na parede e mãos sem motivação. As palavras dele ainda ressoavam catastróficas nas idéias dela. As idéias dela ainda soavam catastróficas para qualquer perfeição. Palavras vermelhas na carne azul dela. De amarelo só o ambiente. Pensou em levantar, mas logo desistiu.
Escutou passos no corredor lá fora. Mais algum vizinho chegando ou saindo. Que importa? Quem se importa? Estava de mãos e asas atadas em raízes seculares. A culpa era dele? Tanto era, que ela nem poderia isso achar. A culpa era da vida. Da primavera. Da crise nas bolsas. A culpa era mesmo do início.. malditos prenúncios dos fins. Continuava sentindo a poeira sobre os tacos soltos do chão, onde deviam estar os alicerces de seu castelo. Jurou pela oitava vez que nunca mais passaria por isso. Era apenas no décimo primeiro juramento que ela perdia a crença neles.
Empurrou o mundo na esperança que a normal a empurrasse para a vida. Mas apenas sentiu todo o peso do mundo em suas costas. De nada lhe servira até aqui ser perfeita. Ser perfeita só trazia sofrimento. Sofrimento que maculava sua perfeita aspiração.
Pois feita. Pós fato. Pré-aceita. Não peita. Não pita. Não par. Ímpar feita, voou escutando a campainha...
16 comentários:
Ás vezes a melhor forma de controle é o total descontrole.
Ou vice-versa...Depende do dia e de quem o guia...
Sensacional como sempre.
Beijo
Ale
Salve Jorge...
como gostei de Lucia, dizem que gostamos dos 'semelhantes' (?)
é essa coisa do perfeito tão improprio, vago e pq não imperfeito...
ah nm vô falar que amei esse texto.
hauihauihoahuiahuhai
beijos
Doce Jorge,
"Estava de mãos e asas atadas em raízes seculares." - Me identifiquei.
Teu texto está com uma simplicidade complicada que até me identifico nele.
A Lúcia fez o que sempre lhe pareceu o mais correcto, encolher-se em outrém e esquecer dos seus medos, dos seus anseios, da sua condiçao intrinseca de ser mulher.
Na verdade Lucia nao queria nada e nem ninguem (como bem dizes), ela queria era uma forma mais fácil de viver a complicada vida (por ela) que lhe saia em cada respiraçao.
No fundo todos somos Lúcia...a sorte dela é ter um ser doce como tu para tirar...o que é pra ser tirado.
Um beijo desta Anja...disfarçada de gente.
Sentimento de mulher, puro e simples, mas num texto de escritor, denso e complexo.
Admiro homens que escrevem tão bem sobre nós, que entendem nossos sofrimentos, nossos anseios.
Não escrevo sobre homens, nunca os entendi!
Beijos, Jorge!
rs...
Jorge um bom texto p/ uma sexta-feira né!!!
Bom fim de semana a tu e a Lúcia...
rsrs...
Bjus*
De nada valia a tão sonhada perfeição. Concordo com quem disse que, ás vezes a melhor forma é o descontrole. Ao menos por um momento.
Lúcia parece lindamente imperfeita!
Beijos, poeta.
De nada valia a tão sonhada perfeição. Concordo com quem disse que, ás vezes a melhor forma é o descontrole. Ao menos por um momento.
Lúcia parece lindamente imperfeita!
Beijos, poeta.
ai, irmão. eu amei o texto. super me identifiquei.
acho que as vezes vc vira mulher, assim, poeticamente falando.
obrigada por uma noite divertida como a de ontem, regada a risadas, chopes, amigos e loucuras. :) foi ótimo.
tou trabalhando morta aqui, mas não me arrependo.
beijos
És o meu Chico Buarque palpável poéticamente, e sem exageros de elogios te acho melhor que o próprio Chico, pois, ele me soa um pouco melancólico demais, com o tom de uma juventude que tentou e não conseguiu.
Enfim, vc revela a alma feminina, a entende e pinta essa alma de forma colorida , psicodélica e encantada.
Muito bom ler o que escreves.
Glaucia
Salve Jorge!!! Até que enfim encontrei eu blog.
Palavras simples e sentimentos complexos.
Bjim.
"Ser perfeita só trazia sofrimento."
Mas as vezes queria ser pelo menos, menos imperfeita!
=D
Beijos querido!
quantas "lucias" cravadas por aí, nao?...
Adorei sua leitura.Parabens!!!
Esta pronto para o proximo desafio? É aquele mesmo...rs
Beijao moço...
Deu bobeira...
O anonimo de cima, sou eu..
outro beijo...
Jorge, hoje meu post fala sobre a Casa do Poetas. Pensei em você, depois dá uma passada lá pra ver, tá?
Beijinhos
Lindo esse texto. Jorge de verso e prosa. Se um dia escrever um livro me avisa... :)
Agora vou passar o dia intrigada com a Lúcia, veja só o que você faz.
é... fiquei sem ar...muitas vezes me senti Lúcia... e tuas palavras- prosa são lindas como tuas poesias. Nossa, tua profundidade, sensibilidade sempre me encanta. que bom que somos passarinhos!
beijãozão!
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