- A vida é séria e a guerra é dura.
- Quem disse?
- O Sistema!
- Você é o Sistema?
- Não, mas cheguei aqui graças a ele.
- E agora você reproduz o que ele te ensinou?
- Eu reproduzo o que eu penso.
- Entendi. É boa essa vida?
- Vai ser perfeita quando você chegar lá...
- Lá onde?
- ... No final, oras...
- Mas no final não acaba?
- Sim, acaba.
- Então você não aproveita muito mesmo... me parece melhor aproveitar agora mesmo...
- Que pequenez de espírito.
- Meu espírito é amplo e leve... e o futuro é sempre uma ideia.
- Você tem que pensar na sua família, nos seus pais, nos seus colegas, nos seus amigos, nos seus conjugês, nos seus patrões, nos seus calvários. Como vamos ter um futuro melhor? O que será do Brasil? Cade o seu sacrifício? O Sistema vai te esmagar se você sair por aí achando que faz o que quiser...
- Eu devo temer o Sistema?
- Todos temem o Sistema.. até os que não sabem dele.. eles só dão outro nome...
- Entendi. Que cada um conserve seu medo... mas como eu disse, vou seguindo...
- Você não pode escapar do Sistema!
- E de você?
- Querendo ou não, você vai enfrentar o Sistema e se dobrar a ele. O seu ser só será através dele! Não há para onde correr!
- Você disse que chegou aqui graças ao Sistema.
- Sim!!!
- E se eu te disser que você chegou aqui apesar do Sistema?
- É quase o mesmo. Mas está errado. Pois sem o Sistema, eu seria como um homem das cavernas primitivo e subdesenvolvido, incapaz de expressar as pulsões do meu ser.
- Digamos, diferente. E seria... é que ser, vem de nós e não do sistema.. são nossas as táticas, as apropriações, os molejos, as resistências, os borogodós... mas o sistema só quer saber de perpetuar-se e não dos passageiros. Ele vende essas verdades e você compra e vende sem pensar.
- Você é um vagabundo.
- Você só é aquilo que aceita ser, por mais usos indevidos que isso tenha. O sistema não me convenceu até hoje e não é um arauto tão despreparado que vai me convencer...
- Eu falo o que o Sistema falaria. Meu pensamento está respaldado pela realidade, por Deus, pela família, pela pátria, pela necessidade, pelos meus filhos, pelo Homem, por amor, por desejo, por dinheiro, pela ética, pela estética, pela lógica, pela Razão. Você que é menor que todas essas coisas, só pode se dobrar ou se perder...
- Gosto de ser perdido.. todos os perdidos que o sabem gostam... eu diria que até os que não sabem gostam, mas seria puro achismo...
- Ninguém gosta de ser perdido!
- Quem disse?
- O Sistema! (Aquela palavras não encontraram ouvidos, pois o perdido havia partido sem deixar nem marcas.
Ele virou-se para o lado na estação, caminhou alguns passos e falou...) - A vida é séria e a guerra é dura!
"O objetivo principal não é descobrir, mas refutar o que somos. (...) Não é libertar o indivíduo do Estado e de suas instituições, mas libertar-nos, nós, do Estado e do tipo de individualização que vai ligada a ele. É preciso promover novas formas de subjetividade..." Foucault
terça-feira, 5 de novembro de 2013
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
Dano ou Estar
- Decidi escrever-te porque não mais aguentava pensar em você, precisava expulsar esses pensamentos de mim para o papel, para fora de mim, para algo alheio a nós dois...
(Ele parou. Levantou-se e deu três passos longos. Chegou até o som e ligou-o e apenas deixou tocar o cd que por lá já estava..)
- "The lunatic is on the grass.. the lunatic is on the grass.. remembering games and daisy chains and laughs.. got to keep the loonies on the path..."
(Tomou a taça na mão esquerda e tornou à leitura manual..)
- Muitas, tantas, inúmeras vezes as palavras me assaltam, me corroem, me impelem e dobram minha vontade com todo esse potencial limitante de percepções. Não me entenda mal, o problema não é você.. nunca foi.. nunca será. O problema sou eu.. sempre foi.. sempre será. É essa maldita besta insaciável que vive em meu íntimo, desejosa de banquetes apoteóticos a todo instante e desavergonhada de pedir, ainda assim, um 'teco' de qualquer lanche de outrém que lhe passe pela vista...
"The lunatic is in the hall.. the lunatics are in my hall.. the paper holds theirs folded faces to the floor.. and every day the paper boy brings more..."
(O papel ainda tinha o perfume dela. Era sempre inebriante e instigante aquele perfume, que para ele tinha um certo cheiro de kinder ovo.. ao mesmo tempo que conseguia invadir suas narinas, penetrar escorregadio pelo seu íntimo e atiçar suas partes. Bebeu vinho..)
- Por isso cheguei até você. Por isso preciso seguir o meu caminho. Sei que deve doer muito ler o que estou dizendo, mas tenho de ir para não me perder. Ficar seria dar algo de mim, que uma vez dado, me fará uma falta suprema. Não taxe-me de egoísta.. não que eu não seja.. sou sim, por escolha, inclusive.. mas não uma egoísta qualquer, sou egoísta pelo bem do equilíbrio universal. Posso jurar meu amor, mas não posso trair a mim mesma. Você que bebeu do melhor e do pior de mim, não irá querer ficar para ver o vinho tornar-se vinagre...
"And if the dam breaks open many years too soon.. and if there is no room upon the hill.. and if your head explodes with dark forebodings too.. I'll see you on the dark side of the moon..."
(O vinho já não desceu tão doce. Ele afastou a taça amarga, que agora mais parecia um réles copo de requeijão. Tateou o cinzeiro e retirou de lá uma ponta sobrevivente.. deixou a carta e acendeu-a. Deu uma longa tragada e a prendeu dentro de si, apenas para sentir a fumaça castigar seus pulmões. Não queria sentir nada de bom naquele momento..)
- Houveram tantos antes de você. Haverão muitos ainda.. eu espero.. pelo menos é como sempre tem funcionado. Mas nenhum como você. Como sei que nunca encontrará ninguém como eu. Não por sermos especiais. Simplesmente por sermos humanos. Demasiado humanos. Incomensuravelmente humanos.. mundanos.. fulanos e ciclanos...
"The lunatic is in my head.. the lunatic is in my head.. you raise the blade, you make the change.. you rearrange me untill I'm sane..."
(Soltou a fumaça, que já era quase ar. Seus sentidos inclinaram-se um pouco, mesmo que o mundo permanecesse na escuridão de sempre. Um mundo sem cores, sem curvas, ângulos e entalhes. Um relógio para ele era muito mais um tic-tac constante, do que um círculo numérico e cíclico. Uma carta era pra ele um ato quase sexual de desvendar um corpo com seu arguto tato.. e ela sabia muito bem disso...)
- Eu queria ter o direito de te dizer que sou sua. Mas seria mentira. E não que eu não minta.. minto o tempo todo.. mas seria leviano lhe retribuir dessa forma, seria como cuspir nos seus óculos. Um dia já acreditei que podíamos ter as pessoas.. hoje sei que podemos estar com elas e nada mais. E estar com você foi profanamente divino. Nunca ninguém me tocou como você. Muitos correram a mão pela minha carne, poucos pela minha alma.. nenhum antes, pelos meus medos. E sei que eu vi em você o que me ensinastes a ver de olhos fechados. Nosso retrato sempre ficará aqui guardado, num belo lugar do álbum, com menção honrosa.. entre o meu cão Gumercindo e um coleguinha de 2a série chamado Leonardo Matias da Silveira que me roubou o primeiro beijo que tenho lembranças...
"You lock the door.. and throw away the key.. there's someone in my head but it's not me..."
(O baseado findou-se, já quase lhe queimando os dedos. Largou-o de volta no cinzeiro transbordante sobre a mesa de carvalho pintada de tinta acrílica branca.. o branco sempre tinha uma textura diferenciada das demais. Largou novamente a maldita carta da maldita dama com suas malditas palavras. Levantou-se e foi até a janela. Eram cinco passos médios. Parou esticou os braços e o batente estava lá como devia. Abriu-a. Sentiu a brisa da noite, desejoso de que ela trouxesse um perfume menos embriagante. Veio apenas o cheiro da fumaça suja da cidade.. da urina feita nas junções entre o prédio e a calçada.. o excremento de pombos que recobriam o telhado.. as damas da noite, que no parque, ao longe, ondulavam ao sabor do vento.. pensou por onde estaria o mar...)
- Sendo assim, meu oráculo.. meu profeta.. meu apóstata.. meu espelho.. tenho de ir e já tendo ido, deixo este pedaço de mim transcrito para que nunca digas que não lhe dei nada. Sei sim que tanto recebi e tão pouco dei.. mas assim é a nossa natureza.. você é de dar, eu sou de receber.. e sou sedenta de muitas fontes.. sou como o mar, que precisa de muitos rios e da chuva e de sabe-se lá mais o que, para seguir em seu movimento de ir e vir. Quando nos encontrarmos novamente, sorria com carinho...
"And if the cloud bursts, thunder in your ear.. you shout and no one seems to hear..."
(Retirou as mãos do batente velho e já cheio de fissuras do tempo e levou-as até o cabideiro, ao lado, sempre ao lado, onde estava seu chapéu. Colocou-o sobre os cabelos longos como faria um gângster em um daqueles filmes antigos que ele nunca vira. Pegou o sobretudo, vestiu-o sentindo desde já o peso do que havia nos inúmeros bolsos.. caminhou os oito passos que o separavam da porta.. passos pequenos...)
- Ainda assim, sei que tens todo o direito de me odiar. Não o recrimino.. talvez ninguém me odeie mais do que eu mesma. Minha mãe sempre me dizia que eu era minha pior inimiga e não que eu devia tomar cuidado. Nunca fui do tipo cuidadosa mesmo. Mas que seja um ódio amável, ódio de querer arrancar-me do mundo e prender-me numa gaiola dourada, com boa água e alpiste da melhor qualidade. Certamente seria a mais bela gaiola de minha vida. E, ainda assim, contigo lá.. com água.. alpiste.. conforto.. vinho, poesia e boa música.. ainda assim, não seria a liberdade. Perdoe minha vaidade e minha vã idade, mas tenho pés inquietos, asas sangradas e braços abertos para receber muitas flechadas...
"And if the band you're in starts playing different tunes.. I'll see you on the dark side of the moon..."
(Pegou a bengala que sempre ficava junto à porta. Girou a maçaneta. Olhou uma última vez para mesa, onde não mais jazia a carta, que chegara ao chão levada pelo vento que vinha da janela, como se pudesse vê-la. Suspirou uma longa desilusão. O corredor o esperava com a luz que se acendia sozinha. Pensou se deveria chorar. Acabou por sorrir o sorriso de quem já chorou demais. Fechou a porta atrás de si e foi-se adiante pela escuridão...)
- Por isso tenho de ir.. sozinha.. avante pela escuridão. Até qualquer dia, até um dia qualquer, onde talvez eu não parta, onde talvez você não fique, onde talvez eu suplique por estar farta de tanta tolice. Agora só sei que preciso ser tola e nada mais.. até outro dia.. meu amor tão fulgaz...
"I can't think of anything to say except... I think it's marvellous! HaHaHa!"
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
Deusa
Eu vejo a deusa em você
Como quem vê
A resposta de tudo
Como o deus galhudo
Devotado e mudo
Ao teu mundo
Desejo profundo
Eu te inundo
Mesmo que sejas o mar
E eu a gota
Vim navegar tuas correntes
Tocar tuas notas
Esquecido das rotas
És o todo à minha frente
O princípio, o precipício e o ofício
Desde o início
A primeira loucura do vício
Que até por isso
Vira o parâmetro de todo o resto
Não presto
Mesmo se meu todo empresto
São réles desdobramentos vazios do além-você
Efêmeros e funestos
Além-mar
Melhor seria estar
No teu útero, na tua cama ou nas tuas lágrimas
Teu oceano sagrado
Que nado
Ao nascer, devorar e deixar
Deusa das três fases
Faces
A me dominar
Eu vejo a deusa em você
E me ponho a mercê
De como vamos dançar...
quarta-feira, 31 de julho de 2013
África
Você pensa na terra
Desunida
Na gente
Varrida
Na carne
Flagelada
Na marca
Banida
Mas não esquecida
Por quem lida
Todo dia
Com a vida
Você não sabe de nada
Do alto da montanha
Você vê a enseada
O cabo
Esperança
Não cansa
De se alastrar
Tanto mar
Dois oceanos
Tanto no ar
Balões
Carros
Fumaça
Manadas
Desertos sertões
Um tigre
Um australopithecus sediba
Esquilos
Queijo e vinhos
Amigos e o amor
Caminhos...
domingo, 19 de maio de 2013
Amada
Com dez anos de estrada
Posso dizer que toda essa caminhada
Só vale a pena pela sua companhia
Por poder me encostar em você todo dia
E não carecer de mais nada
Do anoitecer à alvorada
Por essa sua mania
De me completar
Pois a arte de bem cuidar
Está no âmago do seu jeito
No carinho do seu peito
Em tudo que por você é feito
E que lapida meu vivenciar
Colore o nosso par
Faz desse mundo ímpar
Mais interessante de singrar
És meu ar
Minha amiga predileta
Minha parceira completa
Minha teimosa alerta
Para quando a vida é incerta
Sempre tecendo o nosso acertar
É o Magaiver
É a médica
É a mãe de todo mundo
É meu querer mais profundo
Minha ética
Minha estética
Minha fonética
Minha semântica
Minha aventura romântica
Minha melhor história pra contar...
Posso dizer que toda essa caminhada
Só vale a pena pela sua companhia
Por poder me encostar em você todo dia
E não carecer de mais nada
Do anoitecer à alvorada
Por essa sua mania
De me completar
Pois a arte de bem cuidar
Está no âmago do seu jeito
No carinho do seu peito
Em tudo que por você é feito
E que lapida meu vivenciar
Colore o nosso par
Faz desse mundo ímpar
Mais interessante de singrar
És meu ar
Minha amiga predileta
Minha parceira completa
Minha teimosa alerta
Para quando a vida é incerta
Sempre tecendo o nosso acertar
É o Magaiver
É a médica
É a mãe de todo mundo
É meu querer mais profundo
Minha ética
Minha estética
Minha fonética
Minha semântica
Minha aventura romântica
Minha melhor história pra contar...
sexta-feira, 3 de maio de 2013
Camadas
Quando os dedos dela tocaram o baralho, ela sentiu um estranho calafrio. Por um instante, ela teve a sensação de experimentar o mundo em camadas. Em um instante ela era um bebê sozinho no berço cujo pranto clamava pelo alimento, para logo depois ser uma jovem menina correndo com sua prima na fazenda de seu tio. Em seguida, era uma jovem impetuosa desejosa de vida. Foi a vez de ver-se uma mulher de beleza madura ao lado de um belo homem. Viu-se velha assinando papéis de um inventário. Naquele momento, ainda aturdida moveu as cartas e fez dois montes.
Ao levar uma metade sobre a outra, viu-se delirante de prazer nos braços de um homem que jamais vira. Quando as cartas se encontraram, era uma mulher estafada com uma criança nos braços que não conhecia. Deixou as cartas com a agonia de ver-se jogada numa sarjeta como mais um zumbi do crack.
A velha senhora recolheu as cartas, enquanto a mulher ainda ponderava se teria sonhado acordada. Foram lembranças, mas os últimos.. um deles ela tinha certeza que era um sonho.. era um sonho antigo. A velha sorriu pra mulher, recuperando sua atenção, que foi guiada para a carta que ela virou.
quinta-feira, 11 de abril de 2013
Profecias
Mas tem também um terço
Que vem do ato
E outro tanto de desacato
Que veio da vida
Quando exposta a ferida
Tudo se torna destrambelhado
O ocaso da família
É tanta ilha
Mas a tal da criação é uma benção
E um fardo
Caminho árduo
Pois educação está em tudo que é dado
Em cada gesto
Cada momento
Por mais delicado
Ou menor
Ensina
A respeitar a menina
A jogar o lixo no lixo
A fugir dessa sina
De ser bicho
Só agir por instinto
De só pensar no seu nicho
Quando o infinito tá aqui do lado
Pra que faças do teu brado
Coro
Contra o sistema
Ou qualquer outro teorema
Que se inventar
E estaremos nós lá
A questionar
Instigar a pensar
Mesmo que a duras penas
Nós temos berços por embalar...
quinta-feira, 28 de março de 2013
Arte de ser e por contar
A arte de ser
Sendo
É como um remendo
Onde vossa excelência
O reverendo
Inventou de esquecer
Sem paciência
Não por clemência
Não querendo ver
O que estava a crescer
Apesar de você
Não mais à mercê
Nem preso à tv
Perdido no estar
Crente no par
Vivendo no ímpar
Precisando de ar
De dançar
Se jogar
Só arranhar
Uma vontade
Não pra chegar
Mas por seguir
Construir
Além de ir
Que indo
É lindo
Sereno indo
Mesmo que findo
É só um recorte
De belo porte
Que nos reservem a sorte
De artes para contar...
Sendo
É como um remendo
Onde vossa excelência
O reverendo
Inventou de esquecer
Sem paciência
Não por clemência
Não querendo ver
O que estava a crescer
Apesar de você
Não mais à mercê
Nem preso à tv
Perdido no estar
Crente no par
Vivendo no ímpar
Precisando de ar
De dançar
Se jogar
Só arranhar
Uma vontade
Não pra chegar
Mas por seguir
Construir
Além de ir
Que indo
É lindo
Sereno indo
Mesmo que findo
É só um recorte
De belo porte
Que nos reservem a sorte
De artes para contar...
domingo, 3 de março de 2013
Teatro do por vir
"A vida é o interminável ensaio de uma peça que nunca
se realizará..." (Do filme O Fabuloso Destino de Amelie Poulain..)
Peça
Tropeça
Então pessa
Vamos nessa
Se tudo mais se engessa
Capaz que a cabeça
Arrefeça
Enquanto não começa
Desça
Do resto esqueça
E se arremessa
Nunca cessa
Mesmo que messa
Capaz que nunca aconteça
Que não haja a tal Vanessa
Nem Veneza
Nem posta mesa
Ou qualquer fineza
Porcelana chinesa
Ser alteza
Só firmeza
A escolha é essa
Por mais que você teça
E que tudo até pareça
Nunca é
Só está...
terça-feira, 12 de fevereiro de 2013
Houve ou canto pro meu chapéu...
O bom é que houve
Saiba quem nos ouve
Houve
E tendo havido
Jaz aqui comigo
Jazz
Faz-me um pouco mais
Há quem louve
Há quem esqueça
Há quem apague
O momento dos olhos
O ócio da manhã
As folias da tarde
Os vagueares da noite
Os perdidos da madrugada
Houve coisa sagrada
De tão profana
Ainda emana
O pulso quente das sinapses
Os contornos de nossos ápices
No fundo
No mundo
No tudo
Até se nada
Não há experiência errada
Só há
E que bom que houve...
Saiba quem nos ouve
Houve
E tendo havido
Jaz aqui comigo
Jazz
Faz-me um pouco mais
Há quem louve
Há quem esqueça
Há quem apague
O momento dos olhos
O ócio da manhã
As folias da tarde
Os vagueares da noite
Os perdidos da madrugada
Houve coisa sagrada
De tão profana
Ainda emana
O pulso quente das sinapses
Os contornos de nossos ápices
No fundo
No mundo
No tudo
Até se nada
Não há experiência errada
Só há
E que bom que houve...
terça-feira, 15 de janeiro de 2013
Um encontro com Pessoa...
"Estou quase convencido de que nunca estou desperto. Não sei se não sonho quando vivo, se não vivo quando sonho, ou se o sonho e a vida não são em mim coisas mistas, interseccionadas, de que meu ser consciente se forme por interpenetração.
Às vezes, em plena vida activa, em que, evidentemente, estou tão claro de mim como todos os outros, vem até à minha suposição uma sensação estranha de dúvida; não sei se existo, sinto possível o ser um sonho de outrem, afigura-se-me, quase carnalmente, que poderei ser personagem de uma novela, movendo-me, nas ondas longas de um estilo, na verdade feita de uma grande narrativa.
Tenho reparado, muitas vezes, que certas personagens de romance tomam para nós um relevo que nunca poderiam alcançar os que são nossos conhecidos e amigos, os que falam connosco e nos ouvem na vida visível e real. E isto faz com que sonhe a pergunta se não será tudo neste total de mundo uma série entreinserta de sonhos e romances, como caixinhas dentro de caixinhas maiores - umas dentro de outras e estas em mais -, sendo tudo uma história com histórias, como as Mil e Uma Noites, decorrendo falsa na noite eterna.
Se penso, tudo me parece absurdo; se sinto, tudo me parece estranho; se quero, o que quer é qualquer coisa em mim. Sempre que em mim há acção, reconheço que não fui eu. Se sonho, parece que me escrevem. Se sinto, parece que me pintam. Se quero, parece que me põem num veículo, como a mercadoria que se envia, e que sigo com um movimento que julgo próprio para onde não quis que fosse senão depois de lá estar.
Que confusão é tudo! Como ver é melhor que pensar, e ler melhor que escrever! O que vejo, pode ser que me engane, porém, não o julgo meu. O que leio, pode ser que me pese, mas não me perturba o tê-lo escrito. Como tudo dói se o pensamos como conscientes de pensar, como seres espirituais em quem se deu aquele segundo desdobramento da consciência pelo qual sabemos que sabemos! Embora o dia esteja lindíssimo, não posso deixar de pensar assim... Pensar ou sentir, ou que coisa terceira entre os cenários postos de parte? Tédios do crepúsculo e do desalinho, leques fechados, cansaço de ter tido que viver..."
(Fernando Pessoa - Livro do Desassossego, p. 280)
Sonho que proponho
Risonho ou enfadonho
Cabe a todo personagem
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Pular da página
Fazer faxina
Para além do que se imagina
E nessa auto-sina
Rebelar-se contra o autor...
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